"No próprio dia da batalha, as verdades podem ser pinçadas em toda a sua nudez, perguntando apenas;
porém, na manhã seguinte, elas já terão começado a trajar seus uniformes."

(Sir Ian Hamilton)



quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

ETÍOPE QUE LUTOU COM EUA LEMBRA "CAPÍTULO ESQUECIDO" DA GUERRA DA COREIA

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Esta é a história pouco conhecida de um oficial etíope condecorado pelos Estados Unidos por sua imensa bravura. Ela se passou há 70 anos, quando a Etiópia entrou em guerra. Não na África, mas do outro lado do mundo, na Coreia.


Em 1951, o imperador etíope, Hailé Selassié, decidiu enviar milhares de soldados para integrar as forças da ONU que, lideradas pelos Estados Unidos, lutavam ao lado da Coreia do Sul contra os comunistas norte-coreanos e sua aliada China.

Os chamados batalhões Kagnew pertenciam ao corpo dos Guarda-Costas Imperiais - a tropa de elite da Etiópia.  O capitão Mamo Habtewold era na época um jovem tenente do 3º Batalhão Kagnew.  Em entrevista à BBC, ele disse que se lembra com clareza do dia em que deixou a Etiópia para ir lutar no outro lado do mundo. O próprio imperador veio se despedir das tropas.

"Quando um batalhão partia para a Coreia, ele sempre vinha pessoalmente, fazia um discurso e dava a cada batalhão uma bandeira", contou. "Ele determinou que trouxéssemos a bandeira de volta".


Três mil anos de independência

Quando a Etiópia foi invadida pela Itália, em 1935, Hailé Selassié havia condenado a Liga das Nações por sua não intervenção no conflito. Anos mais tarde, como aliado fiel dos Estados Unidos, o imperador quis dar um exemplo.

"Nosso rei, Haile Selassie, era um grande defensor do princípio da segurança coletiva. E quando a ONU pediu a ele (que enviasse) tropas para a Coreia, ele aceitou sem questionar", explicou Mamo. O próprio Mamo estava 'louco para ir', especialmente após o retorno, em 1953, do primeiro batalhão etíope enviado à Coreia. "Todos voltaram da Coreia se gabando, então, todo mundo queria lutar".

Mamo Habtewold em fotografia tirada logo após a guerra

Os etíopes lutaram como parte da 7ª Divisão dos Estados Unidos. O Exército americano havia, muito recentemente, eliminado a segregação racial entre as tropas, mas, para Mamo, segregação racial não era um problema: "A Etiópia tem uma história de três mil anos como país independente. Nós etíopes éramos orgulhosos e nos gabávamos de ser etíopes. Não nos importávamos com essa questão de cor. Os americanos não nos chamavam de negros porque ficaríamos com raiva". (O uso do termo negro, tradução literal de "nigger", em referência à raça negra é considerado ofensivo em países de língua inglesa.) 

E Mamo tem orgulho da participação da Etiópia na Guerra da Coreia. "Éramos os melhores combatentes. Os três batalhões etíopes lutaram em 253 batalhas e nenhum soldado etíope foi feito prisioneiro na Guerra da Coreia", contou. "Esse era o mote etíope: Nunca seja capturado no campo de batalha".

O mote dos soldados africanos seria colocado a duras provas.


Cercados pelo Inimigo

Em 1953, enquanto as negociações de paz se arrastavam, ambas as facções tentavam fortalecer sua posição nas negociações ao brigar pelo controle de uma área árida e montanhosa situada logo após um dos trechos ocupados pela ONU.  A 7ª Divisão americana, que incluía o batalhão Kagnew, foi encarregada de defender uma dessas montanhas, apelidada de Pork Chop Hill.

Guarnição de canhão sem recuo etíope na Coreia

Uma noite, em maio de 1953, Mamo liderava uma pequena patrulha que desceu do topo da montanha para inspecionar as terras abaixo. Ele não suspeitava de que sua patrulha estava prestes a ser alvo de uma grande ofensiva chinesa.  "Éramos 14 etíopes e um americano na nossa patrulha. Mais tarde, foi escrito que lutamos contra 300 soldados chineses - um homem contra 20".  Quatro integrantes da patrulha foram mortos, incluindo o americano. Todos os outros foram feridos.  "Eles tentaram levar meu operador de rádio como prisioneiro, mas eu matei o soldado chinês e salvei aquele homem. Uma hora, vieram acabar conosco quando estávamos todos feridos, eu tinha uma granada e os matei. Foi muito duro".

A luta continuou, com interrupções, durante toda a noite. Isolado, com seus homens feridos, Mamo sabia que não conseguiriam aguentar por muito mais tempo. "Fui ferido várias vezes, estava cansado, exausto, e perdi a consciência duas vezes. A coisa mais importante era encontrar um rádio para contatar a artilharia americana. Mas meus três rádios tinham sido destruídos.  Eu dei minha pistola a um soldado para que ele me desse cobertura enquanto eu procurava por um rádio. Desmaiei de novo e tive medo de ser capturado. Queria me matar. Mas quando ordenei ao soldado que devolvesse minha pistola, ele se recusou."

"Não dê [a pistola] a ele", os outros soldados disseram.  Então, Mamo decidiu continuar a lutar.  "Procurei por uma arma de um dos homens mortos e, quando os chineses atacavam, eu atirava. Quando as coisas se aquietavam, eu procurava um rádio", contou.  Ele acabou encontrando um rádio. Chamou a artilharia americana, que pôs fim à ofensiva chinesa. Reforços foram enviados e, sob uma cobertura de fumaça, seus homens feridos foram resgatados.

De volta à base, Mamo era o único da patrulha ainda em pé. "Todos foram para o hospital. Eu fui o único a retornar para o alojamento. É como um homem que está vivendo com sua família e, de repente, a família inteira está morta e ele retorna para uma casa vazia - foi assim que me senti. Senti tanto por eles, fiquei muito deprimido".

Soldados do Batalhão Kagnew nas montanhas da Coreia


Por seus atos, Mamo recebeu a mais elevada honraria militar existente na Etiópia. E os americanos lhe deram uma Estrela de Prata, por sua bravura em combate.

Mais de três mil etíopes lutaram na Guerra da Coreia, mais de 120 foram mortos, mais de 500 foram feridos. Os sobreviventes retornaram a Addis Abeba, capital do país, como heróis. "Foi realmente um grande dia. Especialmente, quando voltamos da Coreia, trouxemos nossos soldados mortos. Addis Abeba estava lotada de gente. Metade chorava, metade celebrava", Mamo contou.

Medalha concedida aos etíopes que participaram da guerra


Depois da guerra, Mamo foi promovido a capitão. Ele foi obrigado a deixar o Exército em 1960, no período que sucedeu uma tentativa de golpe por membros do corpo dos Guarda-Costas Imperiais. Acabou fazendo carreira como homem de negócios e administrador.

Em 2012, o governo da Coreia do Sul anunciou que daria aposentadoria aos veteranos etíopes sobreviventes da Guerra na Coreia. Mamo ainda espera retornar à Coreia do Sul uma última vez e visitar o lugar onde se tornou um herói de guerra etíope.

Fonte: BBC


segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

IMAGEM DO DIA - 12/2/2024 - A BARRAGEM ROLANTE

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Mapa mostrando a barragem de rolante de artilharia para o avanço em Vimy Ridge em 1917. O desenvolvimento técnico e tático da artilharia foram marcantes durante a Grande Guerra (1914-1918).


quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

TRÊS GRANDES (E DESCONHECIDOS) FEITOS DO T-34 E SUAS GUARNIÇÕES

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O T-34 foi um dos melhores tanques da Segunda Guerra Mundial, não apenas por suas características técnicas. Também foi importante a coragem demonstrada por seus tripulantes, que muitas vezes permitiam a esses tanques soviéticos fazer coisas impensáveis, como enfrentar sozinho – e vencer – uma divisão alemã inteira.


Por Boris Egorov


Incursão frenética na retaguarda do inimigo

Em 17 de outubro de 1941, a 21ª Brigada Soviética de Tanques surgiu nos arredores de Kalinin (Tver), ocupada pela Wehrmacht. Os tanques foram ordenados a fazer uma incursão na retaguarda do inimigo, cercar a cidade e alcançar suas próprias tropas.

Durante o ataque, um tanque T-34 comandado pelo sargento Stepan Gorobets foi separado do grupo principal. Devido a uma falha de rádio, a tripulação do tanque não tinha ideia de que sua brigada havia sido imobilizada por um ataque aéreo, e Gorobets seguia em direção às posições inimigas completamente sozinho.

Sargento Stepan Gorobets

Depois que o T-34 de Gorobets destruiu uma coluna de motocicletas ao longo do caminho, viu-se repentinamente na frente de um aeródromo alemão. Perplexos pela audácia do tanque soviético solitário, os alemães acompanharam o T-34 destruir dois aviões Junkers Ju 87 e suprimentos de combustível, e depois se dirigir a Kalinin.

Ali, o comandante se deu conta que estava sozinho e não receberia apoio de outros tanques. Para chegar a suas próprias linhas, Gorobets dirigiu o tanque sob fogo intenso pelo centro da cidade, cheio de alemães, esmagando uma arma de artilharia e batendo contra um tanque inimigo no caminho.

Finalmente, o T-34 em chamas, cheio de buracos feitos por projéteis inimigos, com uma arma quebrada, alcançou as posições dos soldados soviéticos, que receberam a tripulação como heróis.


Uma fuga inesperada

Durante o rigoroso inverno de 1942, um T-34 dirigido pelo capitão Gavril Polovtchenia ficou atolado em um rio perto da cidade de Andreapol. A tripulação esperava reforços quando os alemães chegaram e cercaram o tanque.

Polovtchenia ordenou que a tripulação não fizesse barulho, embora fosse difícil com tanto frio em um T-34 completamente congelado. Ainda que os alemães não tenham conseguido abrir a escotilha, decidiram que o tanque havia sido abandonado e o tiraram da água.

T-34 passando sobre um Pzkpfw II durante um combate aproximado

Em 15 de janeiro, os alemães enviaram o T-34 de Polovtchenia para Andreapol, enquanto a tripulação permanecia em silêncio. Às 5 horas da manhã seguinte, o tanque soviético tentou escapar. Saiu à toda pelas ruas da cidade, atirando e esmagando o inimigo, desorganizado e em estado de choque. Mais de 20 soldados, 30 veículos e caminhões militares, além de 10 armas de artilharia foram destruídas enquanto o tanque se dirigia para as posições soviéticas. Além disso, os alemães ficaram chocados e não conseguiram resistir ao avanço das tropas soviéticas, que facilmente libertaram Andreapol no mesmo dia. 


Lutando duas semanas em um pântano

Em dezembro de 1943, o Exército soviético estava libertando o nordeste do país. Durante uma operação, um T-34 liderado pelo tenente Stepan Tkatchenko ficou preso em um pântano semicongelado não muito longe de Pskov.

Toda a tripulação ficou gravemente ferida ou morreu, e apenas o operador de rádio Víktor Tchernichenko permaneceu ileso. Durante a noite, ele se juntou a outro motorista de tanque, Aleksêi Sokolov, que chegou ao tanque às escondidas vindo de posições das tropas soviéticas. Mas suas tentativas de libertar o tanque foram inúteis.

T-34 operando em um pântano congelado

Tchernichenko e Sokolov decidiram não deixar o T-34 e, por 13 dias, resistiram aos ferozes ataques da infantaria alemã. Contavam somente com algumas latas de carne, um pouco de açúcar, biscoitos, e água que vazava no tanque do pântano.

Completamente congelados, famintos e sem sono, os dois soldados soviéticos se defenderam da contínua avalanche de ataques alemães até que, em 30 de dezembro, as tropas soviéticas atravessaram as linhas inimigas até o solitário T-34.

Ferido, Sokolov morreu no dia seguinte ao resgate.  Tchernichenko conseguiu sobreviver à batalha, mas, infelizmente, teve ambas as pernas amputadas.

Fonte: Russia Beyond


segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

BATALHA DE HOLLABRUNN (1809)

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A Batalha de Hollabrunn foi uma ação de retaguarda travada em 9 de julho de 1809 pelo VI Corpo de Exército austríaco, sob o comando de Johann von Klenau, contra elementos do IV Corpo do Grande Armée francês, sob o comando de André Masséna.


A batalha terminou em favor dos austríacos, com Masséna forçado a interromper o combate e esperar por suas divisões restantes para reforçá-lo, mas o marechal francês foi capaz de reunir informações cruciais sobre as intenções do inimigo.

A vitória francesa na Batalha de Wagram, em 6 de julho, forçou o comandante do Kaiserlich-königliche Hauptarmee, o principal exército austríaco, o arquiduque Carlos da Áustria, a recuar. Apesar da derrota, o recuo foi ordenado e muito bem realizado. Os franceses, comandados por Napoleão, estavam inicialmente incertos sobre a direção exata, com relatos dizendo que os austríacos estavam recuando em direção à Boêmia, mas ainda não estava claro se recuariam usando a estrada para Brünn ou a estrada para Znaim. Outros relatórios indicaram que os austríacos estavam realmente se retirando para a Morávia.

Marechal Andre Masséna

Masséna enviou batedores para Krems e para o distrito de Horn e foi capaz de verificar que o inimigo não estava recuando naquela direção, mas não conseguiu concluir para onde se retirariam. Isso obrigou os franceses a uma parada por alguns dias antes que pudessem reunir inteligência suficiente para realmente entender para onde os austríacos estavam indo. No entanto, em 8 de julho, as coisas começaram a se esclarecer para Napoleão, principalmente devido a informações enviadas por Auguste de Marmont, comandante do XI Corpo de Exército e a interpretação de uma série de combates travados por elementos do Corpo de Masséna contra o VI Corpo liderado por Klenau. Estes combates, travados em Korneuburge Stocerau, permitiram que Masséna informasse a Napoleão que uma grande força austríaca estava de fato se retirando para a Boêmia.

O comandante austríaco Klenau, com uma força inicial de 18.000 homens e 64 canhões, tinha ordens para atrasar a perseguição francesa. Em 9 de julho, Klenau decidiu fazer outra parada, desta vez perto de Hollabrunn, a cerca de 55 quilômetros a noroeste de Viena . Após as escaramuças iniciais, a força de Klenau ainda era de 17.000 homens e agora ocupava uma posição forte. Diante dele, Masséna só tinha sob seu controle imediato a 1ª Divisão do IV Corpo de Exército do general Claude Legrand, a cavalaria do corpo do general Jacob François Marulaz, e os couraceiros da 2ª Divisão de Cavalaria Pesada do general Raymond-Gaspard de Bonardi de Saint-Sulpice. 

Soldados austríacos em 1809

Masséna prontamente estabeleceu contato com as forças de Klenau, ao mesmo tempo em que realizava um reconhecimento completo do campo de batalha, o que lhe permitiu escrever ao imperador e reafirmar que nenhum regimento austríaco se encaminhava para Krems. Os ataques de Masséna foram, a princípio, bem-sucedidos, mas Klenau contra-atacou e repeliu os franceses, e depois se opôs à firme resistência a quaisquer novos ataques. Devido à desvantagem numérica, Masséna foi forçado a interromper o combate e esperar por suas outras três divisões de infantaria, sabendo que as divisões de Claude Saint-Cyr seriam capazes de se juntar a ele em breve, mas que as de Gabriel Jean Joseph Molitor e Jean Boudet estavam muito longe para prestarem alguma ajuda.

As perdas na batalha são desconhecidas e, apesar de uma vitória austríaca, a batalha de Hollabrunn permitiu que Masséna escrevesse a Napoleão e informasse que ele estava no caminho certo depois dos austríacos, cujo corpo principal estava recuando ao longo do rio Thaya, perto de Laa an der Thaya. Johann von Klenau seria posteriormente condecorado com a Ordem Militar de Maria Theresa por suas ações na batalha de Wagram e ações de retaguarda por bravura em combate. 

Johan von Klenau recebeu a Ordem de Maria Theresa por suas ações em Wagram

Enquanto isso, o arquiduque Carlos da Áustria reagrupou uma grande força em Jetzelsdorf, no Pulkaurio, mas evacuou essa posição, depois de receber informações de que uma força francesa estava se aproximando de Znaim pelo leste. O próximo grande combate seria o de Znaim, onde os austríacos exigiam um armistício.

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quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

IMAGEM DO DIA - 10/1/2024

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Guarda Cívica (Garde Civique) belga. Oficial do Esquadrão Marie Henriette (1905)


IMPÉRIO VERMELHO: A REVOLUÇÃO HÚNGARA DE 1956, ESMAGADA PELA UNIÃO SOVIÉTICA

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Os húngaros tentaram depor o Partido Comunista e foram aniquilados por tanques de Moscou


Por Jardel Sebba

Em 1989, quando o mundo assistiu pela TV à derrocada do comunismo no Leste Europeu, pouca gente se deu conta de que as manifestações contra o modelo soviético na região haviam começado a ser desenhadas num pequeno país do bloco, pouco mais de três décadas antes. 

Em outubro e novembro de 1956, 200 mil pessoas se reuniram na maior demonstração de insatisfação de um país comunista diante da poderosa União Soviética. Mas o sonho de autonomia húngara iria durar apenas alguns dias. 

Na madrugada de 4 de novembro daquele ano, os manifestantes se viram impotentes diante da chegada dos tanques russos a Budapeste. Comunistas do mundo inteiro, que costumavam bradar contra o imperialismo americano, descobriram atônitos a face brutal de outro imperialismo: o soviético.


Zona de influência 

Para os húngaros, a chegada dos russos era apenas mais um capítulo da história de um país subjugado por invasores há séculos. Desde que Estêvão I estabeleceu o reino da Hungria, no ano 1000, o território fora dominado por mongóis e turcos otomanos e, mais tarde, pelos Habsburgos, da Áustria, quando integrou o chamado Império Austro-Húngaro. 
Derrotados e separados dos austríacos na Primeira Guerra, os húngaros foram obrigados, em 1920, a doar dois terços de seu território aos vizinhos. Depois de um malfadado ensaio de revolução comunista, o país terminou se aliando à Alemanha na Segunda Guerra na esperança de recuperar os territórios perdidos. 

Derrotados mais uma vez, a União Soviética logo fez questão de colocar o país em sua zona de influência, assim como fez com os outros países do Leste Europeu no pós-guerra.
No início, tudo parecia normal no país: a Hungria continuava permitindo o multipartidarismo e o Partido Comunista Húngaro mantinha apenas o controle do Ministério do Interior, o que significava, na prática, o controle do aparelho policial. 

Mas, a partir de 1947, as coisas esquentaram entre Estados Unidos e União Soviética e a Guerra Fria levou os comunistas a mudarem de postura: dali em diante, todos os países do leste teriam que rezar pela cartilha de Moscou.

Para comandar a Hungria, os soviéticos escalaram comunistas húngaros que haviam morado em Moscou. Entre eles, Imre Nagy e Mátyás Rákosi, este segundo na condição de dirigente principal do país. Culto, inteligente, duro e extremamente leal a Moscou, o líder húngaro Rákosi era tão fiel a Stalin que, na festa de 70 anos do ditador, teve lugar garantido ao lado do aniversariante. 

Mátyás Rákosi, líder húngaro fiel a Stalin

Para o povo húngaro, esse culto stalinista rendeu perseguições, exílios, violações dos direitos humanos e fechamento do país para o resto do mundo. As húngaras, acostumadas a ter Viena e Paris como referências de moda, tiveram de se voltar para as soviéticas, cuja maneira de vestir estava estagnada havia três décadas. 

A polícia política vigiava, forjava provas e torturava qualquer cidadão suspeito de ser simpático a “reformas burguesas”. No total, estima-se que 600 mil húngaros foram condenados entre 1948 e 1953. A repressão era tão forte que, em 1951, o líder Rákosi mandou dirigentes do próprio partido para a cadeia. 

A produção agrícola caiu e os preços subiram, jogando ainda mais para baixo a qualidade de vida de um país que tinha um enorme déficit habitacional (264 habitantes para cada 100 quartos disponíveis) e a proporção de um automóvel para cada 500 habitantes (enquanto na Inglaterra, por exemplo, essa taxa no período era um para dez). Até o embaixador soviético no país, J. Kiseljov, alertou seus compatriotas de que aquilo não ia acabar bem.


Enterro do stalinismo 

Em 1953, Josef Stalin morreu e, com ele, o culto ao seu poder. O enterro do stalinismo se deu definitivamente em fevereiro de 1956, durante o 20º Congresso do PC soviético, quando Nikita Kruchev fez seu histórico pronunciamento condenando os excessos do stalinismo, prometendo a recuperação dos valores da “democracia socialista”. Parecia a senha de que os países comunistas precisavam para construir um socialismo com cara própria. Em todo o bloco comunista, trabalhadores se sentiram encorajados a se manifestar, mas logo aprenderam que a tal democracia socialista não era assim tão democrática. 

Na Alemanha Oriental, por exemplo, uma manifestação de trabalhadores no dia 17 de junho de 1956 foi duramente reprimida, resultando na morte de 51 pessoas. Onze dias depois, foi a vez de os poloneses se manifestarem na cidade de Poznan, onde morreram 54 pessoas.

Em meio a esse clima de insatisfação, os soviéticos derrubaram o durão Rákosi do poder da Hungria e colocaram Ernö Gerö em seu lugar. Em 19 de outubro de 1956, encorajados por uma vitória do PC polonês frente ao comando soviético, os húngaros acreditaram que poderiam fazer o mesmo. 

Três dias depois, integrantes da juventude comunista montaram um grupo dissidente e marcaram para o dia seguinte uma manifestação em apoio aos poloneses. É o início da revolta. 


Rebelião 

Mas, enquanto escritores e intelectuais lutavam por um modelo socialista adaptado à realidade húngara, os estudantes resolveram pedir mais: eleições multipartidárias, imprensa livre e retirada das tropas do Pacto de Varsóvia, organização militar do bloco comunista. 

T-34 soviético destruído por insurgentes húngaros em Budapest


No fim do dia 23 de outubro, a rebelião já havia reunido 200 mil pessoas. Na porta da Rádio Budapeste, o protesto pacífico virou uma batalha campal que se espalhou país adentro. Às 21h30, a estátua de Stálin foi derrubada. Às 23h, os manifestantes fizeram com que o dirigente do Partido Comunista Imre Nagy, considerado mais sensível às reivindicações do povo húngaro, fosse alçado ao posto de primeiro-ministro, apesar de Gerö permanecer como primeiro secretário do partido. A situação era confusa. Em 24 de outubro, foi anunciada, junto com a nova junta de poder, a proibição de reuniões públicas e a implantação do toque de recolher.

Os rebeldes não obedeceram e tampouco a polícia reprimiu os manifestantes. Na verdade, o líder Imre Nagy ainda hesitava em apoiar os rebeldes. Em 28 de outubro, ele deu uma guinada em direção aos manifestantes: nomeou para o governo ministros não-comunistas e chamou o movimento de “do povo”, em contraponto a Moscou, que via os manifestantes como “fora da lei”. No dia 30, o multipartidarismo voltou à ordem política da Hungria. Mas o Exército Vermelho já estava alerta.

Apesar de negativas do embaixador russo, o exército de Moscou começou a ocupar o aeroporto de Budapeste alegando que precisava transportar os feridos da rebelião. Diante da ameaça soviética, Nagy enviou um pedido de apoio à Organização das Nações Unidas. 

Mas, para o azar dos húngaros, o pedido foi enviado no mesmo dia em que estourou a crise do Canal de Suez no Egito, cuja nacionalização fez com que ingleses e franceses traçassem planos de invadir o país. Se os países ocidentais podiam invadir uma nação árabe, como poderiam evitar que os soviéticos sufocassem uma rebelião na vizinhança?


Início do fim

Anos depois, documentos liberados pelo governo soviético revelaram que o Kremlin decidira pela intervenção militar no dia 31 de outubro. Enquanto Kruchev havia comunicado seus planos de invasão a outros líderes comunistas no dia 2 de novembro, Moscou continuava “negociando”, um dia depois, a retirada de suas tropas da Hungria. 

Quando o ministro da Defesa húngaro voltou a conversar com os militares russos sobre esse tema por volta das 22h do dia 3 de novembro, foi preso. Naquela madrugada, a chamada Operação Turbilhão entrou em ação e, antes do almoço, a Hungria estava dominada. 

O novo governo húngaro, apoiado pelos soviéticos, encontrou alguma resistência armada até meados de novembro, tendo que negociar com comitês e conselhos até dezembro de 1956. A partir daí, acabou a conversa e veio a repressão.

Em janeiro de 1957, os húngaros contabilizavam 2500 mortos e 20 mil feridos. Mas as cicatrizes foram expostas para todo o mundo, inclusive no Brasil. A fé no socialismo como projeto humanista estava abalada. 

Comunistas de carteirinha como o cantor francês Yves Montand e o escritor Jean-Paul Sartre condenaram a invasão. O historiador inglês Eric Hobsbawn assinou na ocasião, ao lado de outros renomados intelectuais, um manifesto de repúdio à invasão que o jornal do PC britânico se recusou a publicar. Era o início do fim.

Fonte: Aventuras na História

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sábado, 30 de dezembro de 2023

OS ERROS NO USO DE BLINDADOS SOVIÉTICOS NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

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Falhas na organização de unidades de blindados quase levaram o exército e país à ruína.

Por Alexandr Verchínin


No início da Segunda Guerra Mundial, as tropas blindadas soviéticas estavam entre as mais fortes do mundo. Em 1941, o Exército Vermelho possuía mais de 25 mil tanques em seu arsenal, contra apenas 4.000 tanques da Alemanha - três vezes menos do que a quantidade de blindados de que dispunha a União Soviética apenas na zona fronteiriça.

Embora especialistas apontem que grande parte dos veículos blindados soviéticos era constituída por modelos obsoletos ou que simplesmente estavam à espera para serem postos fora de operação, os veículos restantes já constituíam uma força considerável. Mais de 1.500 novíssimos tanques KV e T-34, superiores aos blindados alemães em uma série de parâmetros, estavam à disposição de Stalin.

Toda essa armada de tanques foi reunida em vinte corpos mecanizados, cada um dos quais representando um exército independente. Cada corpo mecanizado possuía mais de 1.000 tanques de diferentes tipos e um contingente de 35 mil pessoas. De acordo com informações oficiais, os alemães não tinham nada parecido em seu exército. Mas os generais soviéticos tinham apenas uma tênue ideia de como utilizar esse poderio.

T-60 soviético em chamas nos primeiros dias da guerra

Os corpos mecanizados acabaram se revelando tão ineficazes quanto externamente pareciam ser ameaçadores. Nesse caso, a megalomania prestou um desserviço - o grande número de tanques na divisão não significava que a sua capacidade de combate era superior. A composição dos corpos mecanizados não era equilibrada.

A pressa em torno de sua implantação resultou no fato de que as divisões tinham à sua disposição um número diferente de tanques e diferentes tipos de veículos. Havia escassez de automóveis e caminhões, o que afetou muito a capacidade de manobra das divisões, e o treinamento das tripulações também deixava muito a desejar.

Para ser justo, é preciso destacar que às vésperas da Segunda Guerra Mundial, dominar a tática do uso de tanques em combate era um desafio difícil para todos os grandes exércitos do mundo.

Foram os alemães que encontraram a melhor solução, criando a eficiente Panzerwaffe (Força Blindada), cuja unidade básica era a divisão Panzer, principal instrumento do Blitzkrieg (termo alemão para "guerra-relâmpago", uma tática militar que consistia em utilizar forças móveis em rápidos ataques-surpresa, com o intuito de evitar que as forças inimigas tivessem tempo de organizar sua defesa). 

Em número de tanques, ela era cinco vezes inferior ao corpo mecanizado soviético, no entanto, suas ações eram muito mais eficazes, graças a uma composição mais equilibrada e um alto grau de motorização. A divisão Panzer alemã incluía em sua composição uma infantaria mecanizada móvel, com ênfase especial na artilharia antitanque.


Heroísmo individual contra erros organizacionais

As batalhas de 1941 evidenciaram a dimensão dos erros organizacionais dos responsáveis pelas forças blindadas soviéticas. Os poderosos corpos mecanizados foram completamente derrotados. A tentativa do comando do Exército Vermelho de infligir um contra-ataque à Wehrmacht na Ucrânia resultou em desastre.

No final de junho, os soviéticos haviam perdido na região 4.300 blindados, 75% do total que tinham no início do combate, contra 250 veículos perdidos pelos alemães.

Durante a Campanha de 1941, a coragem do soldado soviético não foi capaz de compensar as deficiências de organização de suas forças blindadas

Grande parte das perdas tinha sido irrevogável. As falhas estruturais dos corpos mecanizados, que os transformavam em armadas pouco ágeis e vulneráveis no confronto com o inimigo experiente, constituíram uma importante causa para a derrota soviética. Mesmo com o fracasso, um grande número de soldados soviéticos agiu heroicamente.

A proeza realizada por D. Lavrinenko, por exemplo, que durante a Batalha por Moscou, em novembro de 1941, destruiu sete tanques alemães em um único combate, entrou para a história. No entanto, o fator humano não podia compensar os graves erros organizacionais. Para corrigi-los foram necessários dois anos difíceis.

Fonte: Gazeta Russa



quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

PERSONAGENS DA HISTÓRIA MILITAR - JOSEPH BEYRLE, O SOLDADO QUE LUTOU PELO EXÉRCITO DOS EUA E PELO EXÉRCITO VERMELHO NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

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Joseph R. Beyrle é considerado o único soldado norte-americano a servir no Exército dos Estados Unidos da América (EUA) e no Exército Vermelho Soviético durante a Segunda Guerra Mundial.
 

Beyrle participou da Missão Albany, no assalto aeroterrestre da 101ª Divisão Aeroterrestre na noite de 5 para 6 de junho de 1944, como membro do 506º Regimento de Infantaria Paraquedista. Na ocasião, ele foi capturado pelos alemães e enviado para o leste como prisioneiro de guerra.

Depois de várias tentativas mal sucedidas, Beyrle escapou do campo de prisioneiros Stalag III-C alemão em janeiro de 1945, e se juntou a um batalhão de tanques soviético sob o comando de Aleksandra Samusenko. Ferido, ele foi evacuado e, finalmente, retornou aos EUA em abril de 1945. Beyrle morreu em 2004 e foi enterrado no Cemitério Nacional de Arlington.

Joe era o terceiro de sete filhos de William e Elizabeth Beyrle, cujos pais tinham vindo da Alemanha para a América nos anos 1900. Ele tinha seis anos quando ocorreu a Grande Depressão. Seu pai, um operário de fábrica, perdeu o emprego, a família foi despejada de sua casa e obrigado a morar com a avó de Joe. Em algumas de suas primeiras memórias, Beyrle contou mais tarde que seus filhos, eram de ficar nas filas de comida do governo com seu pai. Seus dois irmãos mais velhos largaram o colégio e se juntaram ao Corpo de Conservação Civil , um programa de ajuda-desemprego que enviava para casa dinheiro suficiente para permitir que o resto da família ficasse junto. Uma irmã mais velha morreu de escarlatina aos 16 anos.

Após seu alistamento, Beyrle se ofereceu para se tornar um paraquedista, e depois de completar o treinamento básico de infantaria aerotransportada em Camp Toccoa, ele foi designado para o 506º Regimento de Infantaria Paraquedista da 101ª Divisão Aeroterrestre na graduação de sargento. Beyrle se especializou em radiocomunicação e demolição, e foi inicialmente estacionado em Ramsbury, Inglaterra, para se preparar para a invasão da Aliada. Após nove meses de treinamento, Beyrle completou duas missões na França ocupadas em abril e maio de 1944, entregando ouro para a Resistência Francesa.


Em 6 de junho, Dia D, o C-47 de Beyrle foi atacado por fogo inimigo sobre a costa da Normandia, e ele foi obrigado a saltar de uma altitude extremamente baixa de 360 ​​pés (120 metros). Depois de pousar em Saint-Côme-du-Mont, o sargento Beyrle perdeu contato com seus colegas paraquedistas, mas conseguiu destruir uma usina de energia inimiga. Ele realizou outras missões de sabotagem antes de serem capturados por soldados alemães, alguns dias mais tarde.

Nos sete meses seguintes, Beyrle foi detido em sete prisões alemãs. Ele escapou duas vezes e foi recapturado nas duas oportunidades. Beyrle e seus companheiros de prisão esperavam encontrar o Exército Vermelho, que estava posicionado a uma curta distância. Após a segunda fuga (na qual ele e seus companheiros partiram para a Polônia, mas embarcaram em um trem para Berlim por engano), Beyrle foi entregue à Gestapo por um civil alemão. Espancado e torturado, foi entregue aos militares alemães, depois que os oficiais intervieram e determinaram que a Gestapo não tinha jurisdição sobre prisioneiros de guerra. A Gestapo mandou atirar em Beyrle e seus camaradas, alegando que ele era um espião americano que havia caído de paraquedas em Berlim.

Beyrle foi levado para o campo de prisioneiros de guerra Stalag III-C em Alt Drewitz, de onde ele escapou no início de janeiro de 1945. Ele se tornou para o leste, na esperança de se encontrar com o Exército Soviético. Encontrando uma brigada de tanques soviéticos em meados de janeiro, ele se estendeu pelas mãos, segurando um maço de cigarros Lucky Strike, e concentrado em russo: 'Amerikansky tovarishch ! ' ("Camarada Americana!"). Beyrle conseguiu persuadir uma comandante do batalhão (Aleksandra Samusenko, a única mulher comandante de unidade blindada na guerra) a permitir que ele lutasse ao lado da unidade a caminho de Berlim, iniciando assim sua passagem de um mês em um batalhão de tanques soviético, onde sua experiência em demolições foi apreciada.

O novo batalhão de Beyrle foi o que libertou seu antigo acampamento, Stalag III-C, no final de janeiro, mas na primeira semana de fevereiro foi ferido durante um ataque de bombardeiros de mergulho Stukas alemães. Ele foi evacuado para um hospital soviético em Landsberg an der Warthe (agora Gorzów Wielkopolski, na Polônia), onde recebeu a visita do marechal soviético Georgy Zhukov, que, intrigado com o único não soviético do hospital, soube de sua história por meio de um intérprete, e apresentou a Beyrle documentos oficiais para reunir-se às forças americanas.

Beyrle em foto tomada quando prisioneiro de guerra

Juntando-se a um trem militar soviético, Beyrle chegou à embaixada dos EUA em Moscou em fevereiro de 1945, apenas para saber que havia sido relatado pelo Departamento de Guerra dos EUA como morto em ação em 10 de junho de 1944, na França. Uma missa fúnebre foi realizada em sua homenagem em Muskegon, e seu obituário foi publicado no jornal local. Os oficiais da embaixada em Moscou, inseguros de sua boa fé, colocaram-no sob a guarda da Marinha no Hotel Metropol, até que sua identidade fosse estabelecida por meio de sua RH digital.

Beyrle voltou para casa em Michigan em 21 de abril de 1945, e comemorou o Dia da Vitória na Europa duas semanas depois, em Chicago. Ele se casou com JoAnne Hollowell, em 1946, coincidentemente, na mesma igreja e pelo mesmo padre que celebrou sua missa fúnebre dois anos antes. Beyrle trabalhou para a Brunswick Corporation por 28 anos, apresentando-se como supervisora ​​de embarque.

Seu serviço exclusivo rendeu-lhe medalhas do presidente dos Estados Unidos Bill Clinton e do presidente russo Boris Yeltsin, em uma cerimônia no Rose Garden da Casa Branca marcando o 50º aniversário do Dia D em 1994.

Túmulo de Joseph Beyrle no Cemitério Militar de Arlington


Joseph Beyrle morreu durante o sono, de insuficiência cardíaca em 12 de dezembro de 2004, durante uma visita a Toccoa, Geórgia, onde havia treinado como paraquedista em 1942. Ele tinha 81 anos. Foi enterrado com honras na Seção 1 do Cemitério Nacional de Arlington em abril de 2005.

Beyrle e sua esposa JoAnne tiveram uma filha, Julie, e dois filhos. O filho mais velho, Joe Beyrle II, serviu na 101ª Divisão Aeroterrestre durante a Guerra do Vietnã. Seu outro filho, John Beyrle, serviu como Embaixador dos Estados Unidos na Rússia entre 2008 e 2012.

Em 2005, uma placa foi descoberta na parede da igreja em Saint-Côme-du-Mont, França, onde Beyrle aterrou em 6 de junho de 1944. Uma placa permanente foi dedicada no local em 5 de julho de 2014.

Uma exposição dedicada à vida e experiências de guerra de Joe Beyrle foi exibida em Moscou e três outras cidades russas em 2010.  A exposição abriu uma turnê americana de quatro cidades no Museu Nacional da Segunda Guerra Mundial em Nova Orleans, com exibições em Toccoa e Omaha em 2011 e a cidade natal de Beyrle, Muskegon, em junho de 2012. Uma instalação permanente da exposição está agora em exibição no Museu USS Silversides em Muskegon.


domingo, 22 de outubro de 2023

PERSONAGENS DA HISTÓRIA MILITAR - HANS-ULRICH RUDEL

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* 2/7/1916 - Konradswaldau, Alemanha

+ 18/12/1982 - Rosenheim, Alemanha 

Hans-Ulrich Rudel nasceu na Silésia, filho de um pastor. Quando criança nada indicava que seria especialmente corajoso; realmente dizia-se que sua mãe ainda segurava sua mão quando trovejava. Mas sempre esteve apto à prática de esportes, e talvez este tenha sido um fato oportuno para que pudesse desenvolver suas atividades esportivas em serviço militar.

Em 1936 ele entrou para a Luftwaffe como oficial-cadete. Após ser aprovado em seu curso de treinamento de voo e qualificado como piloto, Rudel foi voluntário para treinos futuros com bombardeiros de mergulho para apoio aéreo aproximado e não foi bem visto pelos instrutores destes treinamentos. Teve seu pedido rejeitado e, para sua humilhação, foi mandado para um curso de observação de reconhecimento aéreo.

Participou, na campanha da Polônia como observador em missões de reconhecimento de longo alcance. Rudel desejava pertencer ao que era então encarado pelos muitos jovens pilotos como o mais atraente da força aérea - voar em um Junkers Ju-87 Stuka. Continuou tendo seus pedidos de transferência para a divisão aérea de bombardeiro de mergulho Stukas sistematicamente negados até 1940, quando preencheu uma vaga em um dos cursos de voo do Ju-87. Após completá-lo, foi transferido para uma brigada de treinamento do Stuka (I/St.G.2) próxima à Stuttgart, de onde observou a campanha na França e nos Países Baixos.

No início da Operação Barbarossa, o I/St.G.2 foi para o "front " russo na Frente Oriental, onde executava missões quase vinte e quatro horas por dia. Todas as tripulações eram necessárias e Rudel foi transferido para o esquadrão cujo líder interessou-se imediatamente por ele. "O Rudel é o melhor homem do meu esquadrão" disse ele duas ou três semanas depois, "apesar de ser um sujeito louco, não viverá muito tempo".

Rudel levantou voo na sua primeira missão de bombardeio de mergulho às 3 horas da manhã do dia 23 de junho de 1941, e ainda estaria voando 18 horas depois, tendo estado fora em quatro missões diferentes. O ritmo das operações era tal que os pilotos saíam para até 8 missões em um só dia, e isso dia após dia, semana após semana.


Missões e façanhas

A maior façanha individual de Rudel foi em setembro de 1941. Duas brigadas do seu Geschwander (esquadrão, grupo aéreo) haviam se deslocado para Tyrkovo ao sul de Luga para uma ofensiva direta a Leningrado. Por volta do fim do mês, entretanto, um avião de reconhecimento avistou os encouraçados soviéticos October Revolution e Marat, além de dois cruzadores e algumas embarcações menores da Armada Soviética do Báltico, no porto de Kronstadt.

Durante toda a guerra Rudel voou o bombardeiro de mergulho Ju-87 Stuka


O Geschwander de Rudel decidiu atacar os três esquadrões, levando bombas especiais de 1.000 kg. Sorrateiramente levantaram voo na manhã do dia 23 de setembro. Rudel estava pilotando um Stuka da esquadrilha líder; e quando o ataque começou ele estava diretamente atrás do líder de esquadrão que havia dito que ele era "louco". O dia estava claro com o céu sem nuvens. Naquele estágio da guerra, os caças russos raramente levantavam voo e, como que para confirmar isso, nenhum apareceu no dia 23 de setembro.

Os Stukas se aproximaram de Kronstadt a uma altitude de 3.000 mil metros, e a 15 km do seu alvo, entraram numa tempestade de fogo antiaéreo. Alguns Stukas tentaram escapar do fogo, e, ao fazê-lo, as esquadrilhas e esquadrões se misturaram. Mas o líder do esquadrão de Rudel decididamente manteve seu rumo com Rudel colado a sua cauda. Quando Rudel viu que seu líder tinha acionado os freios aerodinâmicos de seu avião, ele fez o mesmo, e ambos os Stukas começaram seus mergulhos em ângulos cujas medidas estavam entre 70 e 80º. Descendo estridentemente em direção ao Marat, Rudel viu que seu líder estava recolhendo seus freios aerodinâmicos; portanto, como antes, ele fez o mesmo. 


Marat

Em 23 de setembro de 1941, os dois Staffeln do I/St.G 2 (Gruppe I do St.G 2) atacaram a frota soviética ancorada no porto de Kronstadt (na área de Leningrado), defendido por mais de 1.000 armas antiaéreas. Entre os navios lá ancorados, estava o encouraçado Marat, de 26.500 toneladas - um dos dois únicos navios de grande porte da esquadra vermelha. Mais tarde, Rudel se recordaria:

“Foi terrível. Havia explosões por todos os lados. O céu parecia estar repleto de cascalhos. Eu estava me sentindo muito mal e o vôo foi uma tortura. (…) O mergulho, num ângulo de 70º a 80º, tirou o meu fôlego. Eu tinha o "Marat" em minha mira, ele se aproximava cada vez mais rápido. O navio se tornava cada vez maior. Eu via as bocas de suas armas antiaéreas apontando ameaçadoramente para mim. (…)
Não havia tempo para me preocupar com o fato de que um tiro direto de Flak poderia me partir em pedaços. O "Marat" já preenchia completamente meu visor. Os marinheiros corriam pelo deck do navio, alguns carregando munições. Um dos canhões virou em minha direção e começou a disparar. Neste momento eu apertei o botão que liberava a bomba. Puxei o manche para trás com toda minha força, na tentativa de tirar o avião do mergulho, já que minha altitude era de apenas 300 metros.
A bomba de 1.000kg que tinha acabado de soltar não poderia ser lançada de uma altitude inferior a 1.000 metros sob o risco de destruir o bombardeiro. Mas eu não estava me importando com isso. Eu queria atingir o "Marat" — nada mais. Embora eu puxasse o manche como um louco, eu tinha a sensação que o avião não estava me obedecendo. Eu estava quase perdendo os sentidos. Havia uma sensação terrível em minha cabeça e estômago, quando eu escutei a voz excitada de meu artilheiro-de-ré:
— Herr Oberleutnant, o navio explodiu!
Eu me virei lentamente. Lá estava o "Marat" atrás de uma nuvem de fumaça quase impenetrável de 400 metros.”

Ao finalizar seu mais bem sucedido ataque, Rudel, descendo dos céus em um ângulo de 90º, saiu do mergulho a apenas 4 metros da superfície da água! "Somente nesse momento eu percebi que ainda estava vivo" - ele afirmou bem depois.

Em 1941 Rudel participou de um ousado ataque contra o encouraçado Marat


Com este feito poderia ter sido condecorado, ocasião que não ocorreu. Hauptmann Steen, que comandou todo o Gruppe que participou daquele ataque disse a ele:

“Eu tenho certeza de que você compreenderá que eu não posso condecorar um único homem depois desta corajosa missão na qual o Gruppe inteiro tomou parte (…) eu considero o valor da equipe como um time, o que é mais importante do que recomendá-lo para a Cruz de Cavaleiro.”


Condecorações

Em 29 de Dezembro de 1944, Hitler instituiu aquela que seria a mais alta condecoração militar por bravura entregue durante o III Reich: a Cruz de Cavaleiro da Cruz de Ferro com Folhas de Carvalho Douradas, Espadas e Diamantes ou: Ritterkreuz des Eisernen Kreuzes mit Goldenem Eichenlaub, Schwertern und Brillanten. Essa condecoração era idêntica aos Diamantes, com exceção que era feita em ouro ao invés de prata.

O único recebedor desta condecoração foi o Coronel Hans-Ulrich Rudel, que como um piloto de Stuka no Front Russo voou surpreendentes 2.530 missões, tendo destruído mais de 519 tanques, 800 veículos de todos os tipos, 150 peças de artilharia, inúmeras pontes, 70 embarcações anfíbias, um encouraçado, um cruzador, um destroier e nove aviões soviéticos, incluindo sete caças abatidos em combates.

Josef Stalin ofereceu uma recompensa de 100.000 rublos a quem conseguisse abatê-lo.


Pós-guerra

No Dia da vitória, Rudel e seu esquadrão encontravam-se na Boêmia. Voaram até Kitzingen e entregaram-se às forças americanas, evitando ser capturados pelos soviéticos.
Esteve aprisionado para interrogatórios na Inglaterra e na França. Libertado, permaneceu internado em um hospital da Baviera até 1946. Depois de receber alta, iniciou uma atividade no ramo de transportes.

Mudou-se para a Argentina em 1948 onde, com outros pilotos alemães, trabalhou para a Companhia Estatal de Aviação. Tornou-se amigo do presidente Juan Perón e prestou assessoria à Força Aérea Argentina. Alfredo Stroessner, ditador do Paraguai, Otto Skorzeny e outros ex-dirigentes nazistas exilados na América do Sul também pertenciam a seu círculo de amizades.

Alertou o criminoso de guerra Josef Mengele, que encontrava-se em Buenos Aires, de que a Alemanha Ocidental pedira sua extradição ao governo argentino. A Argentina negou tal pedido alegando que ele não vivia em seu território. Depois Rudel auxiliou Mengele a fugir para o Paraguai.

Retornou à Alemanha Ocidental em 1953 e filiou-se ao Deutsche Reichspartei, partido político de extrema-direita. Reprovou o atentado de Klaus von Stauffenberg contra a vida de Hitler. Declarou-se nacional-socialista até o fim da vida.

Auxiliou a USAF a desenvolver o caça-bombardeiro A-10 Thunderbolt II. Suas Memórias foram publicadas com o título em português Piloto de Stuka com prefácio dos ases da aviação aliados Douglas Bader e Pierre Clostermann.

Apesar de ter perdido a perna direita no final da guerra e de usar uma prótese, continuou praticando esportes. Jogava tênis e esquiava. Na Argentina, escalou os montes Aconcágua e, em três ocasiões, o Llullaillaco.

O túmulo de Hans-Ulrich Rudel, o mais condecorado piloto alemão da 2ª Guerra Mundial


Morte

Rudel faleceu em Rosenheim em 18 de dezembro de 1982, aos 66 anos de idade. A seu pedido, todas as suas condecorações foram doadas por sua viúva para um museu alemão, onde repousam até esta data, já que Rudel não queria vê-las leiloadas nos Estados Unidos.

Como Rudel, durante toda a sua vida, declarou-se um Nacional Socialista convicto, o Governo Alemão proibiu qualquer manifestação ou homenagem. A Bundesluftwaffe proibiu a presença de seus pilotos nos funerais. Apesar dessas ordens, vários pilotos fizeram-se presentes à cerimônia e, no momento em que seu ataúde baixava à sepultura, caças McDonnell-Douglas F-4 Phantom II da Luftwaffe fizeram um sobrevoo rasante sobre o cemitério, numa última saudação a uma das maiores lendas da aviação militar alemã. 

Os pilotos dos Phantom, por sinal, justificaram-se depois dizendo que "sobrevoaram o local por acaso".